sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Depois que o Diabo foi embora

O Diabo foi embora. Cansou dessa gente, de nós todos eu acho, e foi negociar almas em outra freguesia. Faz tempo que ele se foi, nem dá mais para sentir aquele cheiro de enxofre que ficava aqui no tempo dele. Foi embora do jeito que veio, sem alarde. Num dia estava e no outro não estava. E aí foi a nossa ruína. Nos bons tempos, quando ele estava no meio de nós (Deus me perdoe falar assim) o camarada ia lá, vendia a alma pro Chifrudo e dava jeito na vida: enricava, tomava a mulher do outro, se era fraco ficava forte, se era feio ficava bonito. Quando morria, descia direto pro inferno, caía no caldeirão e aí era a danação eterna. Mas antes... Ah, mas antes! No tempo em que vivia, a criatura prosperava que era uma beleza, acordava com gerente de banco na porta de casa querendo emprestar dinheiro pra ele, comprava barato e vendia caro, semeava no meio das pedras e colhia a melhor safra da região. E empregava. Dava emprego para essa gente toda. Geralmente explorava, tratava o vivente pior que bicho, mas no que prosperava precisava de braço para plantar, precisava de braço para colher. E se o emprego não trazia felicidade (longe disso) pelo menos matava a fome do infeliz. E assim todo mundo ia vivendo, uns mandando e outros obedecendo, que é como parece que tem que ser e é como é - e azar de quem duvida e se mete a querer mudar as coisas. Foi assim até o dia em que o Sem Nome foi embora. Agora é essa ruína toda. Não tem mais patrão, não tem ninguém com o chicote na mão, agora é todo mundo igual, tudo miserável, está todo mundo passando fome junto. Um vai lá e dá um tiro no outro, arromba a casa do outro e o que é que tem lá dentro? Não tem nada, o outro estava pior do que ele. E não adianta ficar pedindo socorro a Deus, que esse nunca estendeu a mão para ninguém por aqui, a coisa melhorou muito para uns e um pouco para outros foi depois que o Diabo veio dar com os costados por aqui, que o Gramulhão não é de se fazer de desentendido, se o camarada vai até ele e propõe negócio ele faz negócio com o camarada. Deus é diferente, Deus parece que é surdo, não sei se é!, só sei é que Ele nunca deu jeito em nada e nem ajudou ninguém por esses lados. Sorte que Diabo olhou para esse canto, veio para esse fim de mundo e acudiu o povo daqui, deu jeito na vida do povo daqui e foi ficando, comprando uma alma aqui e outra ali e por esse tempo foi dando para tocar a vida. Mas o acontecido é que passou um tempo e o Diabo começou a botar sentido que estava pagando pelo que já era dele. Na certa o Sem Nome, que não é bobo e nem nada, pensou assim: Mas e a alma dessa gente vai para o céu? Então a alma desse bando de fornicadores, de mentirosos, de pelegos, de ladrões, vai para outro lugar que não seja o inferno? Pensou, pensou de novo, passou uma semana ou duas comprando a alma de um e de outro, mas aí já oferecia um quase nada por elas, já não animava com o negócio. O camarada achava que sua alma ainda valia alguma coisa, pedia terra, pedia mulher, queria dinheiro, mas quando muito saía da negociação levando um nadinha mais do que tinha. E como se a coisa já não estivesse ruim, uma noite qualquer o Diabo deu de andar pela cidade, nem suou a camisa, que aqui é lugar pequeno, e foi na casa de um e foi na casa de outro - ninguém notou, que ele devia de estar invisível -, e o que ele viu, a nossa podridão, a nossa safadeza, fez ele perceber que estava dando boa vida para quem não merecia, pagando caro pelo que não tinha valor. E aí ele se foi e a cidade ficou do jeito que você está vendo, essa pasmaceira, essa falta de rumo. Foi bom para o pastor, que agora o povo está enchendo lá a igreja dele, esperando sei lá que milagre, mas daquele mato não sai coelho. Já te falei que Deus é ruim de negócio, então não te falei?
Minha sorte é que no dia em que o Diabo estava indo embora eu estava sem muito sono e então vi para o lado que ele foi, tem uma vilazinha praqueles lados e aposto e ganho que a vida anda prosperando por aquelas bandas. Amanhã bem cedinho eu vou atrás dele. Numa dessas, dou sorte e encontro um patrão enricando, precisando de braço para plantar, de braço para colher, de pistoleiro para dar fim nos inimigos dele. Eu só espero que o Sem Nome não tenha percebido que o povo de lá é ainda pior que o povo daqui, senão eu não sei como é que vai ser. Que se o Diabo for muito exigente, duvido que ele tenha o que comprar, vai andar o mundo inteirinho para terminar descobrindo que o melhor que ele faz e voltar para o inferno e sentar lá no trono dele e ficar esperando por nós todos, só esperando. O dia em que isso acontecer vai ser a nossa ruína, vai ser um Deus nos acuda.
Só que Deus não acode, entende?

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quase!


Contos, artigos, poesias e o que mais rolar. Pra quando? Acho que breve, muito breve.